A oferta e venda de bebês acontece de forma indiscriminada em páginas do Facebook e grupos de WhatsApp. São pessoas que procuram adotar crianças (de preferência, recém-nascidas) por meio de barrigas de aluguel e barrigas solidárias. Porém, a marginalidade dessas técnicas abre espaço para golpes.
A dona de casa C.F. sonha em se tornar mãe mais uma vez, mas, por causa da diabetes, as esperanças de gerar uma criança acabaram. Para tentar realizar esse desejo, C. procurou na internet por uma barriga solidária, que é o ato de a criança ser entregue por livre espontânea vontade da mãe para outra família, sem cobrar nada por isso.
C. conheceu uma mulher após receber a indicação em um grupo de WhatsApp. Nas mensagens que trocaram, a mulher se mostrou solidária e contou que estava grávida, mas disse que não teria condições de criar o filho e que o pai havia ido embora. Fotos da barriga também foram enviadas e a cada imagem a esperança de se tornar mãe novamente crescia.
— Ela parecia uma boa pessoa e se ofereceu para vir do Acre para minha casa em Minas Gerais. Aqui, ela daria à luz e, depois de algum tempo, partiria e deixaria o bebê.
A única condição imposta pela grávida era que fosse feito um depósito de R$ 800 para pagar os custos da viagem.
— Assim que depositei o dinheiro ela desapareceu. Fiquei com o nome dela e procurei a polícia. Além disso, contratei um detetive para encontrá-la no Acre.
C. afirma que não sabe o que vai fazer quando encontrar a mulher.
O caso de C. não é isolado. Nos grupos de barriga solidária e de aluguel é comum ver publicações com alertas de golpistas que atuam nesse meio, além da reclamação de outras mulheres que passaram por situações semelhantes.
Escambo
Apuração feita pelo R7 nos grupos de barriga de aluguel e barriga solidária mostra a ingenuidade com que muitas pessoas procuram filhos por meio ilegal. É como se a falta de ética e o crime por trás da prática fossem justificados pelo desejo de amar uma criança que a mãe biológica não quer. Entretanto, os riscos são ignorados em nome da realização desse sonho e a Justiça tem seus meios para que essas formas de adoção não sejam incentivadas.
De acordo com Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, desembargador e coordenador da Infância e da Juventude do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), a adoção direta, que é o rumo natural de uma barriga de aluguel ou solidária, não passa fácil por um juiz. Carvalho arrisca e diz que 99% dos pedidos são indeferidos.
— A mãe precisa provar por quais motivos ela quer entregar a criança para aquela pessoa. Não basta dizer que não tem condições, tem que ter provas de que há alguma relação, como parentesco, amizade e outros detalhes, que serão analisados caso a caso. Você não pode escolher para quem vai dar o filho, porque existe uma lista de espera de adoção grande, principalmente de recém-nascidos.
Carvalho alerta, ainda, que caso a adoção direta seja negada pela Justiça, o juiz entra com um processo de destituição do poder familiar, porque ele entende que aquela mãe não quer mais o filho. Então, a criança é tirada da mãe biológica e encaminhada para adoção regular.
— Se ainda houver provas de que teve alguma tratativa com dinheiro envolvido no caso, a mãe biológica é processada por abandono de incapaz com agravante por aceitar trocar o filho por dinheiro.
Vinícius Ribeiro Fernandez, advogado especializado em adoção, alerta que a mãe biológica e a pessoa que quiser adotar de forma ilegal poderão ser enquadradas em crimes pesados.
— Existe a possibilidade das duas partes responderem processos por tráfico de pessoas e estelionato.
Aluguel X solidária
Envolver dinheiro engloba mais situações do que as pessoas imaginam. Para ser uma barriga solidária e não caracterizar aluguel, a mãe biológica não pode receber nenhum tipo de benefício que envolva pagamento, nem mesmo aceitar dinheiro para consultas médicas e gastos em geral que a gravidez possa promover.
Mesmo que o processo de compra e venda da criança tenha se concretizado, ainda existe a possibilidade da família adotiva perder o "filho".
Carvalho explica que uma prática comum nesses casos é a família que está com a criança demorar para ir ao cartório e contar com a decisão do juiz de não retirar a criança do convívio, para que ela não sofra danos emocionais.
— No meu entendimento, não há idade para retirar a criança de uma família, quando essa se mostrou incapaz de conseguir um filho adotado por meio legal. Que crédito essa família merece? Não há princípios. A venda de crianças tem que acabar.
Adoção consensual
Existe a possibilidade de a mãe biológica escolher para quem quer dar o filho, porém, quem está disposto a adotar tem que estar dentro da lei e não pode haver contrapartida.
O advogado Fernandez explica que os interessados em adotar que estão no Cadastro Nacional de Adoção, portanto considerados aptos pela Justiça a realizar o processo, podem realizar buscas por conta própria.
— Quem quer adotar pode fazer uma busca ativa pela criança, como em abrigos, por exemplo. Caso encontre uma mulher disposta a dar a criança, ela poderá ser adotada de forma consensual, porém, a pessoa tem que estar dentro da legalidade.
As crianças que fazem parte do cadastro de adoção também têm que estar aptas. Isso significa que a Justiça esgotou todas as possibilidades de manter a criança com a família, então acontece o processo de destituição familiar.
— Em São Paulo, há uma burocracia maior para ter acesso a essas crianças. Quando quem quer adotar quer ir em um abrigo tem que ter uma autorização do juiz. Em outros Estados o acesso é mais fácil. Isso contribui também para que os interessados em adotar fiquem mais flexíveis quanto ao perfil da criança. Essa aproximação cria empatia e ajuda a aumentar os números de adoções tardias.
Até novembro deste ano, havia 145 crianças aptas para adoção no Estado de São Paulo. A maioria tem idade acima de três anos, idade na qual a criança começa a ter mais dificuldade em ser adotada.
fonte noticias.r7.com/