Mais de 1.500 pessoas condenadas à morte foram executadas em todo o
mundo no ano passado, segundo dados da Anistia Internacional. O número
de mulheres nesse universo é baixo — pouco mais de 14 —, mas revela uma
realidade gritante: diferente dos homens, as mulheres continuam sendo
condenadas à morte (e executadas) por causa de "crimes" sexuais.
Em entrevista ao
R7, o assessor de Direitos Humanos
da Anistia Internacional Brasil, Maurício Santoro, disse que, embora os
números sejam pequenos, o que chama a atenção é que certas condutas não
causam punições aos homens, mas apenas às mulheres.
— O que as leva para o corredor da morte são crimes sexuais, [...]
questões ligadas ao comportamento sexual [como o adultério], mulheres
que são executadas porque fizeram ou tentaram fazer um aborto.
Segundo Santoro, existem ainda muitas mulheres condenadas, sobretudo
no Irã, por atuarem como "mulas do tráfico" (pessoas que transportam
drogas ilícitas entre fronteiras, em alguns casos dentro do próprio
corpo).
O adultério continua sendo crime em muitos países e, em casos
extremos, é punido com a morte por enforcamento ou apedrejamento, como
denunciou o Grupo de Trabalho da ONU sobre Discriminação das Mulheres na
Lei e na Prática, na última quinta-feira (18).
— Muitas vezes, os Códigos Penais não tratam mulheres e homens de
maneira igual e estabelecem castigos mais duros contra as mulheres, além
de dar ao depoimento das mulheres a metade do valor do testemunho dos
homens.
A Arábia Saudita representa, sozinha, um terço das execuções oficiais
de mulheres. Naquele país, elas são sentenciadas à pena de morte por
seu comportamento sexual e até mesmo por acusações de feitiçaria.
"Crimes de honra"
O relatório Sentenças de Morte e Execuções em 2011, da ONG de defesa
dos direitos humanos Anistia Internacional, mostra que foram realizadas
no ano passado 676 execuções oficias — pessoas que são condenadas à
morte pelo Estado e, em seguida, executadas.
Como a China não revela a quantidade exata de executados, a Anistia
Internacional estima que esse número seja de mil a cada ano, o que leva o
número de execuções em 2011 para 1.676.
Se, nesse universo, o número de mulheres executadas é de ao menos 14,
a Anistia Internacional chama atenção para outro dado alarmante: o
elevado número de mulheres e meninas que são assassinadas por familiares
ou membros da comunidade, os chamados "crimes de honra".
Segundo o último estudo realizado sobre o assunto, feito em 2000 pela
Comissão de Direitos Humanos da ONU, ao menos 5.000 mulheres e meninas
são assassinadas todos os anos nessas condições.
A maior parte delas é executada pela "desonra" de ter sido estuprada
ou por seu comportamento sexual. Em Estados omissos, a situação é mais
grave, e o risco de impunidade, maior.
Comparado à execução oficial, que somou 1.676 no ano passado, o crime de honra contra mulheres mata três vezes mais.
Em quase 90% dos casos, as vítimas são mortas pela própria família ou
a mando dos parentes. Além das mulheres, homens gays também costumam
ser vítimas desse tipo de crime.
Acredita-se que o número de crimes de honra, que foi estimado em 5.000 há mais de dez anos, seja atualmente muito maior.
De acordo com Santoro, apenas no Paquistão, 900 mulheres foram
assassinadas no ano passado. E estima-se que um em cada quatro
homicídios na Jordânia seja um crime de honra.
— É muito difícil estimar o número de crimes de honra, justamente porque eles costumam acontecer em Estados omissos.
Em alguns países, os assassinos "não são punidos, ou recebem
sentenças reduzidas, usando como justificativa a 'defesa da honra' da
família", aponta a Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Segundo o mesmo relatório, os crimes de honra vêm crescendo no mundo
e, ao menos em 2000, eram mais comuns em países como Bangladesh,
Equador, Egito, Índia, Israel, Itália, Jordânia, Marrocos, Paquistão,
Suécia, Turquia, Uganda, Reino Unido e Brasil.
Maurício Santoro explica que o Brasil figura nessa relação por causa
da violência doméstica, em que, muitas vezes, o que está em jogo é o
comportamento da mulher.
— A diferença do Brasil para alguns países é que temos uma legislação
forte, sobretudo graças à Lei Maria da Penha. E nossa cultura mudou. É
uma cultura que hoje rejeita a agressão à mulher.
Além dos assassinatos, outras formas de crime de honra são os
chamados "estupros corretivos" realizados contra mulheres lésbicas, que
são violentadas por homens da comunidade, sobretudo na África do Sul.
Em outros casos, meninas e mulheres são forçadas a cometer suicídio
após denúncias públicas de mau comportamento. Outras são desfiguradas
por ácido.
A comissão de Direitos Humanos da ONU aponta que vítimas em
potencial, em vez de ganharem proteção em liberdade, são colocadas em
prisões e em casas de correção — onde ficam, às vezes, presas por anos.
Papel da religião
Os crimes de honra são muitas vezes associados à questão religiosa,
pois estão ligados à demanda feita pela comunidade ou pela família de
que as jovens devem manter-se virgens e castas.
De acordo com estudo do Fundo de População das Nações Unidas de 2000,
os crimes de honra "são mais comuns em países de maioria islâmica,
embora líderes muçulmanos tenham condenado a prática e dito que ela não
tem nenhuma base religiosa".
Para Santoro, a religião acaba sendo usada como "pretexto para legitimar algo que vem de uma tradição patriarcal, machista".
Ele cita os protestos contra o ataque à ativista paquistanesa de 14 anos
Malala Yousafzai, baleada no começo do mês pelo Taleban, como um exemplo de que a religião não está referendando a agressão às mulheres.
— Estão tendo muitos protestos lá. Isso mostra que existe um campo de batalha.
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