ONU cobra investigação imediata sobre barbárie em presídio maranhense

Órgão das Nações Unidas para os Direitos Humanos criticou sistema carcerário do país e cobrou do governo que instaure a ordem em Pedrinhas

Rebelião na casa de detenção do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, na capital maranhense, deixou o saldo de nove mortos e 20 feridos em outubro de 2013
Rebelião na casa de detenção do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, na capital maranhense, deixou o saldo de nove mortos e 20 feridos em outubro de 2013 (Honório Moreira/OIMP/D.A Press)
A Organização das Nações Unidas (ONU) cobrou nesta quarta-feira do governo brasileiro providências para sanar o caos que tomou conta do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão. Em nota sobre as cenas de barbárie dentro do presídio divulgadas nos últimos dias, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos afirma que faz-se necessária uma "investigação imediata, imparcial e efetiva dos fatos" para que os responsáveis sejam processados. Na terça-feira, o jornal Folha de S. Paulo trouxe à tona vídeo que mostra presidiários celebrando enquanto três colegas são decapitados.
Enterro de Ana Clara, em São Luís
Sobre as cenas de horror, Rupert Colville, porta-voz da alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay, afirmou: "Lamentamos ter de, mais uma vez, expressar preocupação com o terrível estado das prisões no Brasil e apelar às autoridades a tomar medidas imediatas para restaurar a ordem na prisão de Pedrinhas e em outras prisões pelo país, bem como reduzir a superlotação e oferecer condições dignas para pessoas privadas de liberdade”. Colville prossegiu: "Apelamos às autoridades brasileiras para realizar uma investigação imediata, imparcial e efetiva dos fatos e processar as pessoas consideradas responsáveis". 
O Alto Comissariado para os Direitos Humanos é a instância máxima das Nações Unidas no combate à violação dos direitos humanos pelo mundo. O órgão tem sede em Genebra, na Suíça.
"Estamos incomodados por saber das conclusões do recente relatório do Conselho Nacional de Justiça, revelando que 59 detentos foram mortos em 2013 no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, assim como as últimas imagens de violência explícita entre os presos libertados", conclui o comunicado.
Bestialidade - A sequência de horror registrada nos últimos vinte dias no Maranhão chocou até mesmo uma sociedade já acostumada ao noticiário de crimes brutais. O banho de sangue, com imagens de presos decapitados e esquartejados na penitenciária de Pedrinhas deixou 62 detentos mortos no período de um ano. O retrato da barbárie nas cadeias maranhenses inclui ainda estupros de familiares de presidiários nos dias de visitas íntimas. Na última sexta-feira, a selvageria ultrapassou os muros do presídio: ataques a ônibus e delegacias espalharam terror nas ruas de São Luís. Uma criança de 6 anos morreu queimada. O criminoso obedecia a uma ordem de dentro do presídio de Pedrinhas.

Barbárie no presídio de Pedrinhas (MA)

Estupros

Relatório do CNJ denunciou a prática de abuso sexual contra esposas, irmãs e filhas de presos pelos chefes das organizações criminosas. Segundo o juiz do CNJ Douglas de Melo Martins, encarcerados por crimes menores prostituem familiares para não serem mortos pelos líderes das facções, que ditam as regras no presídio. As visitas íntimas acontecem com as celas abertas e em ambientes coletivos.

Facções

Atualmente, três facções criminosas atuam no presídio: Anjos da Morte, Primeiro Comando do Maranhão e Bonde dos 40. As duas primeiras são formadas por presos do interior do Estado, apelidados de “baixadeiros”, e a última por detentos da capital. Cada detento é forçado a aderir a um grupo logo quando chega ao presídio. A disputa de poder entre as gangues deixou dez mortos em uma rebelião ocorrida em outubro.

Tortura

Imagens fortes de um vídeo citado no relatório do CNJ mostram um preso ainda vivo com a perna dissecada, com os músculos, tendões e ossos à mostra. Em outros vídeos e fotos aparecem presos com as cabeças cortadas e os corpos esquartejados. Um outro detento morto foi encontrado pelos policiais na área de descarte do presídio com os membros distribuídos em sacos de lixo. Em outros registros, um preso teve a cabeça arrancada e inserida no próprio abdômen.

Rebeliões

Os motins são frequentes no presídio desde 2002. As maiores rebeliões ocorreram em novembro de 2010, quando 18 presos morreram, e em outubro de 2013, que terminou com 10 vítimas. As rebeliões são sucedidas por retaliações das facções. Desde janeiro do ano passado, ao menos 62 presos foram assassinados. 

Condições precárias

Construído para abrigar 1.700 presos, o presídio mantém 2.200 no local, de acordo com o governo maranhense – entidades de direitos humanos falam em 2.500. Segundo o relatório do CNJ, as condições de higiene e sobrevivência são mínimas e duzentos a trezentos presos chegam a dividir o mesmo pavilhão sem critérios de separação.

Distúrbios Mentais

Segundo o CNJ, portadores de distúrbios psiquiátricos dividem as celas com presos comuns, em Pedrinhas. O texto afirma que eles foram enviados para o presídio por falta de vagas em unidades de internação. 
Por que o presídio de Pedrinhas entrou em colapso

Presídio armado

Ao assumir a segurança de Pedrinhas, a Polícia Militar apreendeu 200 armas improvisadas e 30 celulares com os detentos. Uma semana depois, em nova vistoria, foram recolhidas dezesseis armas brancas, 22 munições de revólver calibre 38 e três celulares.

Agentes corruptos

Relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que o governo se “mostrou incapaz” de apurar casos de corrupção e de abuso de autoridade por agentes penitenciários envolvidos na morte de detentos. O órgão listou três inquéritos, dois de 2008 e um de 2010, que ainda não foram concluídos. A segurança do presídio é feita por uma empresa terceirizada. 

Superlotação

Com capacidade para abrigar 1.700 detentos, Pedrinhas mantém atualmente ao menos 2.200 encarcerados, conforme dados do governo maranhense. Segundo o juiz do CNJ Douglas de Melo Martins, duzentos a trezentos presos se amontoam em um mesmo pavilhão sem critérios de divisão. 

Descaso do poder público

Relatório do CNJ diz que o governo do Estado foi informado ao menos duas vezes sobre as condições precárias da prisão, que registra rebeliões desde 2002. Também reiterou a necessidade de construir mais presídios por causa da sobrecarga no sistema prisional maranhense. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, o governo federal cancelou o repasse de 20 milhões de reais para a construção de duas penitenciárias no Estado no ano passado.

Barbárie

Violência degenera em mais violência. Com o argumento de “impor respeito” na cadeia, detentos exibem a cabeça de executados como troféus após execuções em massa, conforme imagens de vídeos e fotos produzidos no interior de Pedrinhas. Há ainda relatos de presos esquartejados, esfolados, degolados e estrangulados até a morte. 

Estrutura precária

Além da superlotação, algumas celas não tem grades e as condições de higiene são mínimas. As visitas íntimas são feitas em ambiente coletivo, o que facilita a ocorrência de estupros de familiares de detentos. Segundo denúncias do CNJ, doentes mentais ficam encarcerados junto com presos comuns. Bloqueadores de celular só foram instalados no presídio no ano passado após uma rebelião terminar com a fuga de 85 presos. 

Facções rivais

Três facções criminosas disputam o controle da penitenciária: Primeiro Comando do Maranhão, Anjos da Morte e Bonde dos 40. A rivalidade entre elas decorre do confronto entre bandidos do interior e da capital maranhense. Não há critérios de separação para o cárcere. Por isso, facções inimigas chegam a dividir o mesmo pavilhão.
Fonte: http://veja.abril.com.br/