Aos 56 anos, homem que fala 5 idiomas vive em van no Acre

 Van do Gaspar e Assovio Acre (Foto: Yuri Marcel / G1)
Com 56 anos José Gaspar de Lima, mais conhecido como 'Hyppie', vê o mundo como sua casa. Por isso, ele hoje vive em uma van no Acre e se diz feliz com a escolha. "Para mim é uma casona, para quem morava em uma rede nos postos de gasolina", conta o homem que se sustenta trabalhando como artesão.

Lima diz já ter rodado quase todo o continente americano, do Alaska, nos Estados Unidos, à Terra do Fogo, na extremidade da América do Sul. "Só tem um lugar no Brasil que ainda não conheci, Fernando de Noronha", revela.

A história de Gaspar começou na cidade paulista de Leme. Separado muito cedo da mãe, passou a infância em instituições para menores. "Minha mãe era mulher da vida e na época mulheres solteiras não podiam criar filhos em prostíbulos. Recém-nascido fui levado para o Nosso Lar de Limeira, depois com cinco anos fui para o Instituto Agrícola de Menores de Batatais, onde fiquei até os 11 anos", conta.

A vida na estrada começou aos 13 anos, quando ao fugir do Recolhimento Provisório de Menores, em São Paulo, conheceu uma família de hippies, que o acolheu. Com ela, começou a viajar pela América Latina. "Gostei da ideia dos caras e falei, é aqui", diz.    

Van do Gaspar e Assovio Acre (Foto: Yuri Marcel / G1)
Quando completou 16 anos conheceu sua esposa, uma sul-coreana, chamada Shinobu, que se tornou sua companheira por toda a vida. Na mesma época foi adotado em Rondônia, por um caminhoneiro russo, de quem acabou herdando a profissão.

"Já estava com minha companheira e resolvi virar motorista. Mas na época ser motorista não era tão fácil, e os filhos estavam vindo, já tínhamos dois filhos, estavam vindo os outros, porque a gente produzia muito rápido na época. Acabei virando militar em Manaus, foi o caminho mais fácil para virar motorista", conta.

José Gaspar lembra como se tornou caminhoneiro. "Meu comandante perguntou o que eu queria, eu disse que meu sonho era virar motorista, ele disse para me levarem no Detran para que me dessem uma carteira. Quando cheguei no Detran a menina perguntou que carteira eu queria, eu disse me dá uma carteira de caminhão", fala.

Nesse período reencontrou a mãe, já aos 30 anos. "A Cooperativa de Transporte de Veículos em que eu trabalhava achou minha mãe para mim. Ela morreu três meses depois sem eu nunca tê-la chamado de mãe. Isso fica marcado, mas uma coisa boa que ela me trouxe foi meu irmão, que não conhecia", revela.

Barco
Após algum tempo, uma nova mudança, quando ele trocou as estradas pelos rios. "Comprei um barco em Santarém (PA) e naveguei durante 10 anos".

No barco, os quatro filhos do casal, Ágata, Coral, Lua e Natureza foram educados. O método não tradicional de ensino todavia, não os prejudicou. As duas filhas mais novas de José Gaspar, Lua e Natureza, são enfermeiras e trabalham em aldeias no município amazonense de São Gabriel da Cachoeira. A filha mais velha, Ágata, mora no Canadá e trabalha na WWF. Já Coral, o único homem, tornou-se militar em Tabatinga (AM).

O próprio José Gaspar também aprendeu muito nas viagens que fez. Ele conta que mesmo não tendo concluído o ensino regular, possui fluência em mais quatro idiomas além do português, espanhol, hindu, alemão e italiano. “É isso que te proporciona ser hippie. A universidade biodiversal. O aprendizado não é um banco de colégio, é mais do que isso”, explica.

As viagens de barco foram interrompidas depois que a esposa do artesão morreu em um acidente de avião, em 2010. “Depois que ela faleceu eu perdi um pouco a vontade de navegar”.

Arte
O contato mais próximo com a arte surgiu em 2011. Nesse período, José Gaspar já havia começado a trabalhar como artesão e estava expondo suas peças no município de Plácido de Castro (AC), quando foi convidado a ver uma apresentação do grupo de teatro acreano, Vivarte, no município vizinho, Acrelândia (AC).

Van do Gaspar e Assovio Acre (Foto: Yuri Marcel / G1)Ex-caminhoneiro quer levar arte para as paradas de caminhão (Foto: Yuri Marcel / G1)
A partir de então ele começou a trabalhar em parceria com o grupo e em outros projetos artísticos. Agora mesmo ele se prepara para sair em turnê por três países com o show Assovio, do músico paulista Rodolfo Minari.

Mas a vontade do ex-caminhoneiro é levar a arte para as paradas de caminhão. "Meu acordo com o Vivarte é que eu trabalho com eles na camaradagem, mas em troca quero uma apresentação em postos de gasolina pelo menos uma vez por mês. Porque os motoristas não conhecem arte. Todo mundo critica a classe motorizada, mas normalmente não sabe a situação dos caras, muitos motoristas viajam com a família e chegam aos postos e não têm nenhum pouco de alegria, nenhum pouco de cultura e é isso que quero levar para eles", conta.

Futuro
Quando terminar a turnê com o Assovio, Gaspar deve trabalhar ainda com a organização do Pachamama, festival de cinema de fronteira, que acontecerá em novembro, em Rio Branco, mas mais adiante ele pensa em deixar a terra firme e novamente se aventurar pelos rios.
"Minha vontade é juntar um recurso, comprar um barco, jogar meus documentos fora e navegar até um lugar aonde os tentáculos do ‘sistema’ não me alcancem. Faz cinco eleições que não voto, meu passaporte está vencido. Quanto menos ligação com o estado melhor”, reflete.

Por fim, o ‘Hyppie’ comenta sobre a importância da Amazônia em sua vida. “A Amazônia foi minha escola, graças a Amazônia a gente consegue descobrir que a vida é muito mais que acumular. As pessoas mais autênticas mantêm-se vivendo e as pessoas que acumulam muito acabam sendo posse da posse e não proprietárias da posse. A posse te prende e o despossuir te liberta”, conclui   
 fonte g1

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