Um esquema para burlar a fiscalização da Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac, põe em risco a segurança de passageiros que dependem das empresas aéreas de pequeno porte no Acre.
A denúncia é de alguns aeronautas locais e revela que a aviação geral no Estado passa por uma série de ingerências, que vão desde o transporte excessivo de cargas e de passageiros num mesmo espaço, até desvios operacionais como assinar horas de voos a pilotos ainda não habilitados ou com quase nenhuma experiência.
“Elas (algumas empresas) praticam toda a espécie de irregularidades. E isso é uma ameaça para quem precisa voar para o interior do Estado”, dispara um dos comandantes ouvidos por esta GAZETA, numa época em que se questiona a eficácia da segurança da aviação de pequeno e médio porte no país, com a morte em acidente aéreo do presidenciável Eduardo Campos (PSB), no último dia 13 de agosto, em Santos/SP.
O barril de pólvora preste a acender na região, segundo alguns profissionais do setor, é corroborado pela ausência total de agentes da Anac no Estado. “A Anac praticamente não existe em Rio Branco. Os fiscais só vêm aqui de anos em anos, quando é pra ‘checar’ pilotos”, diz outro piloto.
Checar significa que o profissional vai passar por uma avaliação sobre suas habilidades de voo e continuar a voar com a carteira ou brevet revalidado. Mas o trabalho da Anac não se restringe apenas a avaliações de aeronautas.
O órgão tem de zelar pela segurança de voo em todo o país, mas segundo as fontes ouvidas, quando a Agência vem ao Acre fazer algum tipo de fiscalização, “todos ficam sabendo antecipadamente e as irregularidades são camufladas”. Falta pessoal para que o órgão possa cobrir as demandas do país.
As ilegalidades, segundo eles, já começam na declaração do plano de voo. Toda aeronave que decola de Rio Branco, ou de qualquer outro aeroporto provido com o mínimo de infra-estrutura, tem de descrever uma série de itens num documento – ou via telefone mesmo – às autoridades de controle de voo.
Os pilotos declaram dados como o destino, a quantidade de combustível, de passageiros, de cargas e quem está no comando do voo. É aí que mora um dos perigos.
“Nem sempre é o piloto que assina o plano de voo quem está em comando”, frisa outro aeronauta ouvido pela reportagem. “Ele declara por telefone que está em comando, ninguém vai lá na pista checar se é isso mesmo, e um piloto menos experiente assume o voo”, frisa o aeronauta.
Ele usa o termo “manicaca” para se referir a uma dezena de jovens que todos os dias estão no pátio do aeroporto de Rio Branco, tentando encaixar algum voo e assim, aumentar suas horas voadas nas cadernetas.
“Aqui na Capital os manicacas são muitos: a maioria tem entre 18 e 25 anos e é natural de outros estados. Por um voo, eles fazem de tudo. Ajudam até no transporte de bagagens. Depois assumem o banco do comandante em viagens para o interior do Estado sem a supervisão do piloto que assinou o plano de voo. Eles vão sozinhos com os passageiros”.
Segundo publicou semana passada a Folha de S. Paulo, com base nos dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, o Cenipa, dos 617 acidentes aéreos com causas já apontadas pela Aeronáutica desde 2000, ao menos 204, a maioria, aconteceu por perda de controle da aeronave em voo ou em solo. Eles representam 33% do total.
“Trata-se de uma possibilidade grande a perda de controle de uma aeronave porque não é devidamente habilitado a voá-la”, alerta o piloto.
A reportagem tentou contato com a Anac local, mas ninguém foi encontrado para falar sobre o assunto. Também não foi possível nenhuma declaração da diretoria, por meio da sua assessoria em Brasília.