Quem está no ostracismo é a política tradicional”, diz Marina




Com mais de 30 anos de militância política, Marina Silva demonstra desconforto ao assistir a uma eleição sem estar filiada a um partido. A ex-senadora diz que ainda não sabe se será candidata em 2014, mas reforça sua postura crítica à gestão da presidente Dilma Rousseff, a quem chama de “verticalizadora”, e afirma que uma terceira via está em curso. Segundo a ex-candidata à Presidência, não é Eduardo Campos, presidente nacional do PSB e governador de Pernambuco.

Marina nega que esteja no ostracismo político e enquanto não decide sobre o que fará daqui a dois anos, percorre cidades pelo país, em apoio a candidatos do PSB, PSOL, PT, PV, PDT, PPS, PMDB e PTN. Há conversas até com o PSDB. As únicas restrições são ao DEM e ao PCdoB do deputado federal Aldo Rebelo - com quem travou disputas na tramitação do Código Florestal.

Os aliados da ex-senadora já desenham o quadro que poderá marcar a próxima eleição: o novo partido a ser criado pela ex-candidata presidencial poderá se aliar ao PSOL, PPS e ao recém-criado PEN, dando o dobro do tempo de televisão que teve em 2010.

Acreditam que, se com 1min23 s de TV a ex-senadora conseguiu quase 20 milhões de voto, na próxima eleição o “estrago” poderá ser maior. Mas Marina prefere manter a discrição.

A seguir, trechos da entrevista que a ex-senadora concedeu ao Valor, em Manaus, depois de apoiar o candidato do PSB à prefeitura da capital, Serafim Corrêa, há três semanas.

Valor: A senhora tem dito que o governo vive um paradoxo: registra avanços na área social, mas tem retrocessos na área ambiental. Que avaliação faz da gestão Dilma?
Marina Silva:
Primeiro, sem sombra de dúvidas, ela [Dilma] conseguiu aquilo que nunca duvidei que ela fosse conseguir: imprimir sua própria marca e estilo. É uma mulher forte, preparada e conseguiu colocar seu estilo. Acho que é um governo que fez uma opção por não ter ministros e auxiliares com muitos protagonismos como fez o Lula. Se você pensa em Nilmário Miranda na Defesa dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, são pessoas com protagonismos nessa agenda. Não estou dizendo que os outros não têm [protagonismo], mas não são tão politicamente anunciados como tinham antes. Se pensar em alguém como Cristovam [Buarque], o Tarso Genro, são pessoas com o perfil forte. Na Secretaria-Geral da Presidência tem uma equivalência entre o Dulci e o Gilberto Carvalho, mas é muito pouco esse perfil de protagonismo público. Essas pessoas, além da lealdade, da construção que fazem com o governo, tiram da presidente uma boa parte da responsabilidade da mediação com a sociedade. No caso de Dilma, ela fez uma escolha por ter um ministério em que a maioria dessa responsabilidade recai diretamente sobre ela, decidindo. Isso faz com que fique algo verticalizado numa cultura que já é presidencialista.

Valor: Está dizendo que a presidente é centralizadora?
Marina:
Estou usando o termo verticalizada (risos) da presidente, em uma situação que não é fácil. Estamos vivendo uma crise econômica. Ela tem feito esforços para que a gente consiga driblar a crise, mas ninguém consegue driblar a crise. Tem que ver como é que se faz gol na crise. Fazer incentivo à indústria automobilística sem contrapartida ambiental no médio e longo prazo já é gol contra. Quando a indústria precisa do apoio do governo é o momento de o governo mostrar que eles [os empresários] também têm que ter algo a oferecer. Será que o caminho tem de ser por investimentos que não respeitam a sustentabilidade? Não podem ser investimentos em mobilidade? Tem investimentos estratégicos nessa agenda que não estão sendo feitos. A política social, ao se aprofundar no rumo de inclusão produtiva, é boa e sei que ela está fazendo. Tenho esse reconhecimento. Não retiro esses acertos até porque eu não tenho uma postura nem de oposição nem de situação. Faço hoje o que faria como senadora dentro do PT. Esse empobrecimento da oposição pela oposição, de situação pela situação nos levando a essa estagnação política total.

Valor: Como a senhora vê que 2014 está se encaminhando? Terá novamente uma terceira via? Seria desta vez com Eduardo Campos?
Marina:
Estamos vivendo uma crise política, econômica, social, ambiental, de valores... E uma crise que se constitui de tantas crises é uma crise civilizatória. Quando isso acontece, aqueles que estão identificados com os motivos da crise não conseguem ver outra coisa. Mas é possível que esteja acontecendo algo que ninguém está vendo. O ano de 2010 revelou que estava acontecendo algo que ninguém estava vendo, nem mesmo eu. Eu não estava vendo que eu seria candidata e que teria 20 milhões de votos. Não estava vendo que pudesse ter alguma coisa que pudesse ter o segundo turno. Agora existe algo que não é Aécio [Neves], nem Dilma, nem Eduardo Campos... As pessoas brincam comigo: “senadora, a senhora está no ostracismo”. Para esse enquadramento, eu estou no ostracismo, mas pode ser que quem está no ostracismo é a política tradicional.

Valor: A senhora não assume a candidatura, mas tem dito que não a descarta. Vai se lançar em 2014?
Marina:
Não é dizer nem que sim nem que não. É uma posição incômoda porque parece que eu não quero dizer. Mas eu não sei. Fico vendo as pessoas se movimentando pelo poder... Eu não me movimento nessa lógica. Me movimento por uma agenda pelo Brasil. Lula, durante muito tempo, fez o movimento na direção de quem queria uma agenda pelo Brasil e a candidatura dele foi consequência de uma agenda. Me movimento na direção de uma agenda, de que a questão da sustentabilidade continue relevante. As pessoas querem angariar força para sua liderança pessoal. Eu não. Quem vai protagonizar a agenda em 2014 será o melhor quadro e talvez a minha melhor contribuição seja para que a agenda continue relevante. Posso ser um general eleitoral...

Valor: Se candidataria por algum dos atuais partidos?
Marina:
Não cogito essa possibilidade fora do enquadro desse movimento que estou fazendo. Eu quero fortalecer o movimento. Não estou pedindo para que as pessoas saiam de seus partidos. Peço para que trabalhem essa agenda. Dentro do movimento tem gente que acha que precisa de partido. Mas se for só para disputar eleição, será mais do mesmo.

Valor: A senhora se lançaria para disputar outro cargo que não a Presidência? Ao Senado?
Marina:
Aposto nas novas gerações. Tinha um incômodo de ver os políticos que estavam velhinhos se repetindo nos cargos... Coloquei para mim que só teria dois mandatos de senadora.

Valor: A senhora, ao falar do mensalão, disse que o julgamento do STF não pode ser visto como um processo de vingança. Como avalia o PT depois desse julgamento?
Marina:
Quero que esse processo nos mostre que temos instituições virtuosas capazes de nos corrigir quando falharmos em nossas virtudes. Não encaro como uma possibilidade de fazer politicagem. Não podemos querer ter alguém que seja crucificado em praça pública só para saciar alguma coisa. Queremos que seja feita a justiça. Não tenho nenhum prazer em nada disso, mas quero que a impunidade não compense.

Valor: A senhora tem criticado o Código Florestal, que teve o senador Jorge Viana como um dos relatores. Como viu a atuação dele? Isso a afastou do antigo aliado?
Marina:
Na discussão do Código Florestal o governo operou no sentido de viabilizar a proposta da CNA. Na Câmara foi o deputado Aldo Rebelo. O operador foi o senador Luiz Henrique [PMDB-SC]. Quando centralizaram tudo nele o governo deu um recado: incorporou a posição de um setor, ignorando os demais. O projeto ficou muito ruim. A gente teve uma oportunidade de um segundo round, mas o veto da presidente deixou o projeto ainda pior. A anistia, que a presidente tinha se comprometido a vetar, não vetou. Foi um retrocesso.

Valor: E Jorge Viana?
Marina:
Ele, com certeza, teria que tensionar com o governo para se diferenciar desse acordo que foi feito entre governo e bancada ruralista. Teria que tensionar, porque o governo patrocinou. Dilma tem demonstrado que tem uma relação de entendimentos com a senadora Katia Abreu [PSD-TO]. Ela tem mesmo que conversar com os setores, mas dom Leonardo e o Comitê em Defesa das Florestas sempre pediram audiência e nunca foram recebidos. Houve a opção por um lado. Não há erro em ouvir os dois lados. Não pode ser projeto nem dos ambientalistas em dos ruralistas. É da sociedade. O governo operou só para um lado e da pior forma. (Por Cristiane Agostine/Manaus/Valor Econômico) 
fonte  atribuna

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